Preâmbulo da Lei
Bancária de 12 de Julho de 1894
Senhor.—
Não é só em Portugal que alguns inconvenientes do regimen tanto
tempo preconisado para as instituições bancarias se fizeram
ultimamente sentir. O desvairamento da especulação invadiu o mundo
inteiro acarretando comsigo, como resultado, transformar por vezes
instituições destinadas a fomentar o commercio o auxiliar o
trabalho, em instrumentos provocadores das ruinas quo sempre resultam
das crises. Os casos occorridos nos bancos italianos, a catástrofe
dos bancos inglezes da Australia, a especulação desenfreada e as
fallencias dos bancos brazileiros, são factos contemporâneos, ou
posteriores já, ao succedido entre nós com alguns bancos
portuguezes. Taes factos, presentes á memoria o á consideração
geral, têem feito com que universalmente se reconheça a necessidade
de acautelar e cohibir por meio de disposições legislativas os
abusos do exercicio de uma funcção aliás fecunda no jogo das
instituições economicas da sociedade. Tal foi o intuito que
inspirou providencias recentemente adoptadas em alguns dos paizes
mais cultos; tal é o pensamento que presidiu á elaboração do
decreto que temos a honra de submetter ao exame de Vossa Magestade.
[…]
A
compra de acções proprias, ou de outros bancos, bem como o
emprestimo sobre os proprios titulos, são operações que o governo
entendeu deverem ser reguladas de forma a evitar inconvenientes que
já infelizmente resultaram da absoluta liberdade na realisação
d'estas operações. Se, por vezes, effectuadas com prudência e
sinceridade, taes transacções podem ser vantajosas para os
interesses de um estabelecimento, não é menos verdade que o abuso
se insinuou primeiramente d'este modo. A compra dos próprios titulos
foi o modo de manter artificial e ruinosamente cotações fictícias
de que a boa fé ficou victima mais de uma vez; e o emprestimo feito
por um banco sobre o penhor dos titulos de outro foi o processo
ordinario pelo qual se levantaram tantas edificações ephemeras
unicamente destinadas á especulação bolsista. Nos termos que o
projecto de decreto prescreve, sem se impossibilitarem operações
que, em certas hypotheses, podem ser uteis, e sem se desvalorisar um
papel, que, depois de liberado, é um titulo negociável como outro
qualquer, acautelam-se, no entretanto, abusos por mais de um motivo
perigosos e condemnaveis. O codigo commercial no § 2.° do artigo
169.°, prescreve que a compra das próprias acções, no silencio
dos respectivos estatutos, é absolutamente prohibida. Esta
disposição bem claramente revela o intuito do legislador. Mas á
sombra d'ella medrou o abuso, reformando-se ad
hoc muitos estatutos
para n'elles se introduzir a clausula que a lei, em regra, queria
prohibir. D'ahi a necessidade e a urgencia de se providenciar no
sentido que propomos. A immobilisação dos capitaes bancarios, dos
proprios e dos obtidos da confiança publica, por fórma que na hora
da crise falhavam os recursos para satisfazer os encargos, foi outra
causa incontestável de ruina, evidente sobre tudo na historia dos
bancos portuenses. Não julgou o governo possivel determinar as
multiplas e variaveis condições em que as immobilisações podem
ser prejudiciaes ou convenientes; mas entendeu que era mister limitar
n'este ponto as attribuições das direcções pela fórma que
estabelece o artigo 7.° No gravíssimo assumpto dos depositos em
conta corrente, e sobre tudo no juro que lhes é attribuido,
entendeu, porém, que o meio de evitar as tentações fraudulentas
com que se tem explorado a ingenuidade do publico, captando as
economias particulares, principalmente as dos pobres e remediados,
com promessas de juros excessivos, era limitar a taxa a metade da
taxa corrente do desconto. Sendo esta actualmente de 6, a dos
depositos em conta corrente não poderá exceder a 3, o que ainda
assim vae alem do juro attribuido pelos bancos mais dignos de
credito. Tambem as reservas pareceu ao governo serem assumpto sobre
que era necessário estabelecer disposições reguladoras. Tendo
sempre os bancos em caixa, e em moeda corrente, pelo menos o quinto
da importancia dos depositos á ordem, e devendo os quatro quintos
restantes achar-se representados por valores de carteira realisaveis
a curto praso, afigura-se-nos sufficientemente garantida a seriedade
e estabilidade da circulação. Estas disposições, juntas com o
limite do juro concedido aos depositários, parece que devem bastar
tambem para supprimir a especulação fraudulenta n'esta especie. Os
abusos praticados, desviando os titulos confiados á guarda ou dados
em deposito aos bancos: eis outro assumpto que urgentemente reclama
disposições preventivas. São as que constam do artigo 10.°, em
que, todavia, fica livro ao interessado prescindir de um direito que
a lei desde agora lhe confere. São infinitas as formas de que se tem
valido a imaginação bancaria para formular balanços em que a
situação se apresenta, ao contrario da verdade, florescente e
prospera. Por tal modo se conseguem as cotações simuladas em
detrimento do capitalista incauto, distribuindo dividendos fictícios,
tirados, no todo ou em parte, ou do fundo de reserva, ou da
exageração dos valores do activo. Contra este vicio fundamental, em
que muitos outros vem a final a reunir-se, entendeu o governo
estabelecer disposições de tres especies: a obrigação de publicar
n'uma lista individualisada que acompanha os balancetes os titulos em
carteira de cotação variavel; a limitação dos recursos pedidos ao
fundo de reserva para complemento de dividendo; e, finalmente, a
fiscalisação official dos balancetes publicados.
[…]
Fixar
as incompatibilidades no exercicio das direcções, administrações
ou gerencias ; bem como determinar claramente o limite da
responsabilidade pessoal d'estas, pareceu tambem ao governo o remate
natural do conjunto de medidas destinadas principalmente a garantir a
circulação, que é um facto da economia geral, contra os abusos da
especulação, favorecendo assim até certo ponto os interesses dos
proprios accionistas contra os desmandos de direcções, aliás por
elles mesmos eleitas. Neste ultimo sentido entendeu o governo não
dever ir mais além, porque o pensamento d'este decreto não foi
crear um systema orgânico de instituições bancarias, mas sim
apenas attender ás omissões da legislação vigente, estatuindo
disposições preventivas contra, a repetição do abusos cujas
consequências já se fizeram sentir no nosso paiz, e que estão
acautelados convenientemente na legislação de quasi todas as
nações. O maior do todos esses males foi talvez a multiplicação
excessiva de instituições bancarias, que, não encontrando no
commercio elementos do lucro, o buscavam desde logo na especulação
bolsista. As proprias condições de formação forçavam-nas a
desviarem-se desde o começo da norma que deve presidir ás
instituições bancarias : serem auxiliares do commercio e da
industria e não instrumentos de especulação. E por esso motivo que
o governo, finalmente, entendeu opportuno sujeitar a creação de
novos bancos a uma approvação oficial que, nas circumstancias
actuaes, nem necessita de certo ser negada, pois é mais do que
provável que ninguém hoje pensará na formação de novos bancos.