quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Lei Bancária de 1894... ontem como hoje...


Preâmbulo da Lei Bancária de 12 de Julho de 1894

Senhor.— Não é só em Portugal que alguns inconvenientes do regimen tanto tempo preconisado para as instituições bancarias se fizeram ultimamente sentir. O desvairamento da especulação invadiu o mundo inteiro acarretando comsigo, como resultado, transformar por vezes instituições destinadas a fomentar o commercio o auxiliar o trabalho, em instrumentos provocadores das ruinas quo sempre resultam das crises. Os casos occorridos nos bancos italianos, a catástrofe dos bancos inglezes da Australia, a especulação desenfreada e as fallencias dos bancos brazileiros, são factos contemporâneos, ou posteriores já, ao succedido entre nós com alguns bancos portuguezes. Taes factos, presentes á memoria o á consideração geral, têem feito com que universalmente se reconheça a necessidade de acautelar e cohibir por meio de disposições legislativas os abusos do exercicio de uma funcção aliás fecunda no jogo das instituições economicas da sociedade. Tal foi o intuito que inspirou providencias recentemente adoptadas em alguns dos paizes mais cultos; tal é o pensamento que presidiu á elaboração do decreto que temos a honra de submetter ao exame de Vossa Magestade.
[…]
A compra de acções proprias, ou de outros bancos, bem como o emprestimo sobre os proprios titulos, são operações que o governo entendeu deverem ser reguladas de forma a evitar inconvenientes que já infelizmente resultaram da absoluta liberdade na realisação d'estas operações. Se, por vezes, effectuadas com prudência e sinceridade, taes transacções podem ser vantajosas para os interesses de um estabelecimento, não é menos verdade que o abuso se insinuou primeiramente d'este modo. A compra dos próprios titulos foi o modo de manter artificial e ruinosamente cotações fictícias de que a boa fé ficou victima mais de uma vez; e o emprestimo feito por um banco sobre o penhor dos titulos de outro foi o processo ordinario pelo qual se levantaram tantas edificações ephemeras unicamente destinadas á especulação bolsista. Nos termos que o projecto de decreto prescreve, sem se impossibilitarem operações que, em certas hypotheses, podem ser uteis, e sem se desvalorisar um papel, que, depois de liberado, é um titulo negociável como outro qualquer, acautelam-se, no entretanto, abusos por mais de um motivo perigosos e condemnaveis. O codigo commercial no § 2.° do artigo 169.°, prescreve que a compra das próprias acções, no silencio dos respectivos estatutos, é absolutamente prohibida. Esta disposição bem claramente revela o intuito do legislador. Mas á sombra d'ella medrou o abuso, reformando-se ad hoc muitos estatutos para n'elles se introduzir a clausula que a lei, em regra, queria prohibir. D'ahi a necessidade e a urgencia de se providenciar no sentido que propomos. A immobilisação dos capitaes bancarios, dos proprios e dos obtidos da confiança publica, por fórma que na hora da crise falhavam os recursos para satisfazer os encargos, foi outra causa incontestável de ruina, evidente sobre tudo na historia dos bancos portuenses. Não julgou o governo possivel determinar as multiplas e variaveis condições em que as immobilisações podem ser prejudiciaes ou convenientes; mas entendeu que era mister limitar n'este ponto as attribuições das direcções pela fórma que estabelece o artigo 7.° No gravíssimo assumpto dos depositos em conta corrente, e sobre tudo no juro que lhes é attribuido, entendeu, porém, que o meio de evitar as tentações fraudulentas com que se tem explorado a ingenuidade do publico, captando as economias particulares, principalmente as dos pobres e remediados, com promessas de juros excessivos, era limitar a taxa a metade da taxa corrente do desconto. Sendo esta actualmente de 6, a dos depositos em conta corrente não poderá exceder a 3, o que ainda assim vae alem do juro attribuido pelos bancos mais dignos de credito. Tambem as reservas pareceu ao governo serem assumpto sobre que era necessário estabelecer disposições reguladoras. Tendo sempre os bancos em caixa, e em moeda corrente, pelo menos o quinto da importancia dos depositos á ordem, e devendo os quatro quintos restantes achar-se representados por valores de carteira realisaveis a curto praso, afigura-se-nos sufficientemente garantida a seriedade e estabilidade da circulação. Estas disposições, juntas com o limite do juro concedido aos depositários, parece que devem bastar tambem para supprimir a especulação fraudulenta n'esta especie. Os abusos praticados, desviando os titulos confiados á guarda ou dados em deposito aos bancos: eis outro assumpto que urgentemente reclama disposições preventivas. São as que constam do artigo 10.°, em que, todavia, fica livro ao interessado prescindir de um direito que a lei desde agora lhe confere. São infinitas as formas de que se tem valido a imaginação bancaria para formular balanços em que a situação se apresenta, ao contrario da verdade, florescente e prospera. Por tal modo se conseguem as cotações simuladas em detrimento do capitalista incauto, distribuindo dividendos fictícios, tirados, no todo ou em parte, ou do fundo de reserva, ou da exageração dos valores do activo. Contra este vicio fundamental, em que muitos outros vem a final a reunir-se, entendeu o governo estabelecer disposições de tres especies: a obrigação de publicar n'uma lista individualisada que acompanha os balancetes os titulos em carteira de cotação variavel; a limitação dos recursos pedidos ao fundo de reserva para complemento de dividendo; e, finalmente, a fiscalisação official dos balancetes publicados.
[…]
Fixar as incompatibilidades no exercicio das direcções, administrações ou gerencias ; bem como determinar claramente o limite da responsabilidade pessoal d'estas, pareceu tambem ao governo o remate natural do conjunto de medidas destinadas principalmente a garantir a circulação, que é um facto da economia geral, contra os abusos da especulação, favorecendo assim até certo ponto os interesses dos proprios accionistas contra os desmandos de direcções, aliás por elles mesmos eleitas. Neste ultimo sentido entendeu o governo não dever ir mais além, porque o pensamento d'este decreto não foi crear um systema orgânico de instituições bancarias, mas sim apenas attender ás omissões da legislação vigente, estatuindo disposições preventivas contra, a repetição do abusos cujas consequências já se fizeram sentir no nosso paiz, e que estão acautelados convenientemente na legislação de quasi todas as nações. O maior do todos esses males foi talvez a multiplicação excessiva de instituições bancarias, que, não encontrando no commercio elementos do lucro, o buscavam desde logo na especulação bolsista. As proprias condições de formação forçavam-nas a desviarem-se desde o começo da norma que deve presidir ás instituições bancarias : serem auxiliares do commercio e da industria e não instrumentos de especulação. E por esso motivo que o governo, finalmente, entendeu opportuno sujeitar a creação de novos bancos a uma approvação oficial que, nas circumstancias actuaes, nem necessita de certo ser negada, pois é mais do que provável que ninguém hoje pensará na formação de novos bancos.