sábado, 26 de janeiro de 2013

brixit flop

Como eu esperava o discurso de Cameron, passados uns dias, ficou esquecido. Não foi tomado muito a sério. Marcar um referendo para 2018? Até 2018 vai acontecer tanta coisa que não tem sentido uma proposta dessas. O discurso foi entendido como uma manobra  para alargar espaço político eleitoral. Cameron começou por tentar alargar à esquerda com o tema do gay marriage e agora à direita com o Brixit. Pode bem suceder que venha a sofrer o efeito perverso de fazer perder (em vez de ganhar) votos tanto à direito como à esquerda.
Mas esta proposta tem duas 'oddities': uma política e outra económica.
Economicamente, introduz um intervalo de incerteza dentro do qual o investimento não pode deixar de sofrer. Quem é que vai fazer investimento industrial pesado numa Inglaterra que, quando acabar de ser construída a fábrica, terá um mercado reduzido de 500 para 70 milhões? Será muito mais razoável investir na Irlanda que, garantidamente, estará dentro da UE e do Euro. A poderosa Confederation of British Industry (CBI) pronunciou-se já muito fortemente contra o discurso de Cameron. A indústria tem muito a perder com uma saída da UE queixa-se abertamente do que perde por estar fora do Euro. Só o sector financeiro quer afastar-se da EU para assumir um estatuto do tipo da Suiça, como lugar de refúgio de capitais contra a regulamentação comunitária que aí vem após a crise, principalmente a supervisão do BCE sobre os Bancos.
Politicamente, esta proposta vem aumentar o risco de independência da Escócia. Depois da devolution, o Parlamento Escocês tem maioria do partido independentista (Scotish National Party SNP). Está marcado um referendo sobre a independência da Escócia em Outubro de 2014. Neste momento as sondagens atribuem ao voto independentista 32% do eleitorado, mas no referendo serão admitidos a votar os eleitores com 16 e 17 anos, mais favoráveis à independência. A perspetiva de sair da UE levará possivelmente os escoceses a escolher a Europa em detrimento da Inglaterra. A Escócia quer o Euro e quer manter as relações económicas privilegiadas que tem com a Europa continental, Holanda, Dinamarca e Noruega. O Primeiro Ministro escocês já endereçou uma carta oficial à UE sobre a questão da sua membership da UE depois da independência. Se a Inglaterra sair da UE, pode bem ser que a Escócia não queira sair. Também a Escócia se perfila como destino do investimento que previsivelmente sairá da Inglaterra.
O Reino Unido (UK) está na terceira recessão em quatro anos. No fim do ano, o PIB regrediu 0,3%. As políticas de austeridade estão a criar descontentamento, como aqui, e o argumento da moeda própria que possa ser desvalorizada (de manter a independência cambial) já não convence ninguém porque essa mesma capacidade de desvalorizar não evitou a recessão.
Os líderes do Partido Liberal (LibDem) e do Labour, além do SNP, manifestaram-se duramente contra a iniciativa de Cameron.
O mais provável que venha a acontecer é que os Conservadores sejam derrotados nas próximas eleições legislativas. Como só eles é que querem o referendo, teriam de obter uma maioria absoluta no Parlamento para o lançarem.
Não é, pois, para tomar muito a sério esta iniciativa de Cameron. É um flop - o Brixit flop.

sábado, 19 de janeiro de 2013

a vontade popular e a segunda república

Desde o início da segunda república os partidos satisfizeram sempre a vontade popular, fosse ela qual fosse. Os que não o faziam perdiam as eleições e, se persistiam, resvalavam para a irrelevância. Os partidos de poder, PS, PSD e CDS, sós ou coligados, foram sempre dando aos portugueses  o que os portugueses ansiavam. Isso é o fundamento da democracia.
Mas os portugueses queriam viver com um nível de consumo europeu. Para lhes fazerem a vontade, os partidos foram governando de um modo insustentável.
Logo em 74/75 aumentaram tanto os salários que levaram o país à bancarrota e acabaram por ter de chamar o FMI. De então até 86, viveu-se mal.
A partir de 86, os fundos comunitários possibilitaram outra orgia de consumo. Não criaram uma estrutura industrial nem um aparelho económico eficiente, mas uma economia de serviços e de consumo. Os eleitores queriam e os partidos deram-lhes a ilusão do nível de vida europeu. Consumiram-se primeiro as poupanças, depois o crédito interno e depois o credito externo. Quando tudo acabou, chamaram o FMI, agora com o BCE e a UE, na versão Troika.
Pela primeira vez na história da segunda república nenhum dos partidos pode satisfazer a vontade do eleitorado, porque desta vez não é mesmo possível satisfazê-la. Seja com este governo ou outro qualquer, com estes ministros ou outros quaisquer, com estes partidos ou outros quaisquer. Acabou a ilusão do nível de vida europeu e voltou a pobreza.
A segunda república já não consegue satisfazer a vontade popular.

domingo, 6 de janeiro de 2013

a saga do submarino estúpido

Os dois submarinos pareciam iguais. Tinham sido construídos ao mesmo tempo, segundo os mesmos planos, tinham armamentos, equipamentos e tripulações iguais. Foram lançados à água no mesmo dia e entraram em combate em flotilha.
No primeiro combate, foram ambos atingidos no mesmo local e sofreram os mesmo danos. Ficaram a meter água no mesmo compartimento. Estavam submersos e em risco de se perderem.
Num deles o comandante mandou imediatamente fechar as portas estanques para isolar a zona inundada. Os tripulantes que aí estavam morreram afogados mas o submarino salvou-se e, com ele, o resto da tripulação.
No outro submarino, o comandante ponderou que se fizesse essa manobra alguns tripulantes morreriam e outros não, o que era inadmissivelmente desigual. Em consciência entendeu que deveriam ser todos tratados por igual. Não mandou fechar as portas estanques. O sumarino afundou-se e, com ele, morreram todos os tripulantes, incluindo o comandante.
Afinal os dois submarinos não eram iguais. Um deles tinha um comandante estúpido.

sábado, 5 de janeiro de 2013

A democracia e o ancien régime

A atitude do Presidente da República ao remeter o Orçamento ao Tribunal Constitucional, é incompatível com a Ordem Democrática fundante da República Portuguesa.

O que distingue a governação democrática da governação aristocrática é que na democracia a governação é exercida de acordo com a vontade do povo, que se presume saber cuidar do seu interesse, enquanto no sistema aristocrático se governa no interesse do povo, que se presume não saber cuidar do seu interesse, mesmo contra a sua vontade. No sistema democrático o interesse do povo coincide com a sua vontade e é expresso pelos parlamentos eleitos diretamente pelos povos. No sistema aristocrático, o interesse do povo é apurado e definido por um soberano ou por um órgão ou um coletivo de pessoas tidas como mais sábias.

Os parlamentos, na sua identidade atual, têm origem nas revoluções americana e francesa e foram criados com a função primeira de representar a vontade e definir o interesse dos povos na distribuição dos encargos do Estado sobre os cidadãos (impostos, taxas e encargos análogos) e na determinação das despesas públicas. Logo em seguida vem a definição dos tipos de crimes e das penas, mas a principal foi a representação dos povos na definição da receita e despesa pública.

Os sistemas não democráticos postulam a incapacidade dos povos para estas funções, pela sua ignorância e ganância (e outras deficiências) e substituem-lhes o governo dos mais sábios, protagonizados por órgãos não eletivos ou mesmo por indivíduos (reis absolutos ou líderes autocráticos).

O recurso ao Tribunal Constitucional para bloquear a Lei do Orçamento Geral do Estado corresponde à transposição da fronteira da democracia. O recurso ao Tribunal Constitucional para bloquear o Parlamento nesta matéria é incompatível com os fundamentos da Ordem Democrática.