Como eu esperava o discurso de Cameron, passados uns dias, ficou esquecido. Não foi tomado muito a sério. Marcar um referendo para 2018? Até 2018 vai acontecer tanta coisa que não tem sentido uma proposta dessas. O discurso foi entendido como uma manobra para alargar espaço político eleitoral. Cameron começou por tentar alargar à esquerda com o tema do gay marriage e agora à direita com o Brixit. Pode bem suceder que venha a sofrer o efeito perverso de fazer perder (em vez de ganhar) votos tanto à direito como à esquerda.
Mas esta proposta tem duas 'oddities': uma política e outra económica.
Economicamente, introduz um intervalo de incerteza dentro do qual o investimento não pode deixar de sofrer. Quem é que vai fazer investimento industrial pesado numa Inglaterra que, quando acabar de ser construída a fábrica, terá um mercado reduzido de 500 para 70 milhões? Será muito mais razoável investir na Irlanda que, garantidamente, estará dentro da UE e do Euro. A poderosa Confederation of British Industry (CBI) pronunciou-se já muito fortemente contra o discurso de Cameron. A indústria tem muito a perder com uma saída da UE queixa-se abertamente do que perde por estar fora do Euro. Só o sector financeiro quer afastar-se da EU para assumir um estatuto do tipo da Suiça, como lugar de refúgio de capitais contra a regulamentação comunitária que aí vem após a crise, principalmente a supervisão do BCE sobre os Bancos.
Politicamente, esta proposta vem aumentar o risco de independência da Escócia. Depois da devolution, o Parlamento Escocês tem maioria do partido independentista (Scotish National Party SNP). Está marcado um referendo sobre a independência da Escócia em Outubro de 2014. Neste momento as sondagens atribuem ao voto independentista 32% do eleitorado, mas no referendo serão admitidos a votar os eleitores com 16 e 17 anos, mais favoráveis à independência. A perspetiva de sair da UE levará possivelmente os escoceses a escolher a Europa em detrimento da Inglaterra. A Escócia quer o Euro e quer manter as relações económicas privilegiadas que tem com a Europa continental, Holanda, Dinamarca e Noruega. O Primeiro Ministro escocês já endereçou uma carta oficial à UE sobre a questão da sua membership da UE depois da independência. Se a Inglaterra sair da UE, pode bem ser que a Escócia não queira sair. Também a Escócia se perfila como destino do investimento que previsivelmente sairá da Inglaterra.
O Reino Unido (UK) está na terceira recessão em quatro anos. No fim do ano, o PIB regrediu 0,3%. As políticas de austeridade estão a criar descontentamento, como aqui, e o argumento da moeda própria que possa ser desvalorizada (de manter a independência cambial) já não convence ninguém porque essa mesma capacidade de desvalorizar não evitou a recessão.
Os líderes do Partido Liberal (LibDem) e do Labour, além do SNP, manifestaram-se duramente contra a iniciativa de Cameron.
O mais provável que venha a acontecer é que os Conservadores sejam derrotados nas próximas eleições legislativas. Como só eles é que querem o referendo, teriam de obter uma maioria absoluta no Parlamento para o lançarem.
Não é, pois, para tomar muito a sério esta iniciativa de Cameron. É um flop - o Brixit flop.
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