sábado, 23 de novembro de 2013

a vaca sagrada


Quando as críticas ao Tribunal Constitucional começaram a subir de tom e a alargar-se a sectores cada vez mais amplos, em Portugal e no estrangeiro, surgiram na comunicação social portuguesa protestos. O Tribunal Constitucional tem de ser respeitado, dizem, e não é legítimo pressioná-lo.

O Tribunal Constitucional pode ser criticado tanto quanto qualquer outro órgão do Estado, qualquer Presidente da República, qualquer Parlamento, qualquer Governo, qualquer Tribunal. É a própria Constituição que o impõe, quando consagra a liberdade de opinião e de crítica, e o princípio da responsabilidade política. Só em regimes totalitários assim não acontece.

Mas o caso do Tribunal Constitucional é curioso naquilo que tem de híbrido, de órgão político e judiciário. Apresenta-se como controlador da conformidade das lei com a Constituição, lei hierarquicamente superior a todas as outras. Mas isso só formalmente é verdadeiro. Substancialmente, o Tribunal Constitucional quer controlar a definição da distribuição do esforço ou sacrifício económico imposto pelo bancarrota do Estado, pelos vários estrato da população. Ora esta é uma função tipicamente, mesmo essencialmente política. É a principal função dos Parlamentos representar os povos na autorização das receitas e despesas do Estado, na aprovação dos critérios da distribuição da receita e da despesa públicas pelos Cidadãos e pelos estratos da população. Os critérios da distribuição do sacrifício e do benefício pertencem aos próprios cidadãos, que elegem os seus representantes, os deputados, que no Parlamento votam os Orçamentos. Esta competência dos Parlamentos é sagrada e não pode ser usurpada por um qualquer outro órgão do Estado.

Por isso, sempre entendi – e entendo – que é inconstitucional a prática ultimamente adotada pelo Tribunal Constitucional de fiscalizar estes critérios, impondo ao Parlamento, quer dizer, impondo ao Povo Soberano, o seu critério. O Tribunal Constitucional não tem melhor legitimidade democrática do que o Parlamento em matéria orçamental.

Só não acuso o Tribunal Constitucional de Golpe de Estado, porque lhe não reconheço o dolo específico. Não é por mal, é por incompetência que o faz.

Mas é já intolerável e dolosamente intencional a atribuição do Tribunal Constitucional do estatuto de Vaca Sagrada, imune à critica e ao controlo democrático dos Cidadãos e da Opinião Pública. Não é ainda, também, um Golpe de Estado, mas é com certeza um tique totalitário que visa dificultar, impedir ou reprimir o exercício da Cidadania em Democracia.

sábado, 16 de novembro de 2013

quem acode ao terreiro do paço


No último número do Jornal de Letras, de 15 de novembro de 2013, está um artigo notável de Nikis Skapinakis sobre o péssimo arranjo do Terreiro do Paço. Tem como título «Quem acode ao Terreiro do Paço».

Commonsense está completamente de acordo. Quem mexeu no Terreiro do Paço não teve respeito pela sua identidade histórica nem pelo seu enquadramento estético.

Atarracou a estátua de D. José.

Pavimentou com mármore (ou quase mármore) o que devia ser um terreiro de saibro. Pior ainda seria com soalho flutuante.

Desenhou riscos no chão que são completamente incompatíveis com a sua configuração arquitetónica original.

Povoou o seu espaço com barraquinhas e anúncios publicitários como um recinto de feira em romaria de aldeia.

Ao avançar a margem fluvial a jusante, com a agravante da estação fluvial a montante, aprisionou o cais das colunas numa poça de água ridícula, que faz lembrar um peixinho encarnado dentro dum aquário esférico.

Remodelou-o como espaço de concertos rock e outro eventos.

Devia ser proibido mexer em monumentos públicos.

Para tanto devia ser obrigatório ter bom gosto, ou ao menos simplesmente gosto, ou um bocadinho de mundo.

Quem mexeu no Terreiro do Paço imprimiu-lhe a sua própria “cultura” de aldeia, de subúrbio, a cultura pimba.

Mas haja esperança.

Um bom buldozer de pá e lagartas ainda pode restaurar o Terreiro do Paço.

domingo, 3 de novembro de 2013

não


Os Portugueses gostam de dizer não. É uma sublimação da frustração.
E daí resulta em boa parte a pobreza geral.
Quando um inventor pede para registar um invento, a resposta é não porque é novo.
Quando o dono da casa quer abater uma árvore que está a cair, a resposta é não porque é velha (na cultura inculta, velho é igual a cultural).
Quando se precisa de construir uma barragem, a resposta é não porque tem impacto ambiental.
Quando o melhor arquiteto naval de veleiros do mundo, que é português, quis mudar-se de Irlanda para Portugal, a resposta foi não, porque os seus barcos não tinham condições de segurança.
Quando alguém que adquiriu uma casa sobre a falésia da Costa Vicentina e quis abrir um janela para o lado do mar, teve de a abrir primeiro e pedir depois licença para a fechar... e a resposta foi não.
O portugueses dizem que não por razões subconscientes profundas. Porque levaram um nega da namorada, porque o banco recusou o financiamento, porque o patrão não deu o aumento, porque a Troyka tirou a pensão, porque o carro do vizinho é melhor que o dele...