Quando as críticas ao
Tribunal Constitucional começaram a subir de tom e a alargar-se a
sectores cada vez mais amplos, em Portugal e no estrangeiro, surgiram
na comunicação social portuguesa protestos. O Tribunal
Constitucional tem de ser respeitado, dizem, e não é legítimo
pressioná-lo.
O Tribunal Constitucional
pode ser criticado tanto quanto qualquer outro órgão do Estado,
qualquer Presidente da República, qualquer Parlamento, qualquer
Governo, qualquer Tribunal. É a própria Constituição que o impõe,
quando consagra a liberdade de opinião e de crítica, e o princípio
da responsabilidade política. Só em regimes totalitários assim não
acontece.
Mas o caso do Tribunal
Constitucional é curioso naquilo que tem de híbrido, de órgão
político e judiciário. Apresenta-se como controlador da conformidade
das lei com a Constituição, lei hierarquicamente superior a todas
as outras. Mas isso só formalmente é verdadeiro. Substancialmente,
o Tribunal Constitucional quer controlar a definição da
distribuição do esforço ou sacrifício económico imposto pelo
bancarrota do Estado, pelos vários estrato da população. Ora esta é
uma função tipicamente, mesmo essencialmente política. É a
principal função dos Parlamentos representar os povos na
autorização das receitas e despesas do Estado, na aprovação dos
critérios da distribuição da receita e da despesa públicas pelos Cidadãos e pelos estratos da população. Os critérios da
distribuição do sacrifício e do benefício pertencem aos próprios
cidadãos, que elegem os seus representantes, os deputados, que no
Parlamento votam os Orçamentos. Esta competência dos Parlamentos é
sagrada e não pode ser usurpada por um qualquer outro órgão do
Estado.
Por isso, sempre entendi
– e entendo – que é inconstitucional a prática ultimamente
adotada pelo Tribunal Constitucional de fiscalizar
estes critérios, impondo ao Parlamento, quer dizer, impondo ao Povo
Soberano, o seu critério. O Tribunal Constitucional não tem
melhor legitimidade democrática do que o Parlamento em matéria
orçamental.
Só não acuso o Tribunal
Constitucional de Golpe de Estado, porque lhe não reconheço
o dolo específico. Não é por mal, é por incompetência que o faz.
Mas é já intolerável e
dolosamente intencional a atribuição do Tribunal
Constitucional do estatuto de Vaca Sagrada, imune à critica e
ao controlo democrático dos Cidadãos e da Opinião Pública. Não é
ainda, também, um Golpe de Estado, mas é com certeza um tique
totalitário que visa dificultar, impedir ou reprimir o exercício da
Cidadania em Democracia.